E de repente
toda a gente
se comove. Em quatro
anos de guerra ,
o sofrimento e as mortes na Síria , e no Iraque, não
comoveram muitos jornalistas
ou espectadores
sentados por essa Europa fora . No último inverno , vi crianças
ranhosas e friorentas, pés roxos e nus nas
neves do Monte
Líbano. Vi mulheres sírias e órfãos a prostituírem-se nas ruas
de Beirute , vi a superpopulação
dos campos de refugiados palestinianos, incapazes de acolherem mais
um ser humano por falta de espaço .
E vimos as imagens dos corpos despedaçados por
barrel bombs, as fomes de Yarmouk, os ataques químicos .
Não foi por
falta de filmes
online, colocados por combatentes , resistentes e sitiados sírios , que
deixámos de ver no que
a Síria se tornou. Ou
o Iraque, onde todos
os dias há mortos .
O ISIS mobiliza-nos as atenções com a barbaridade
do dia , que
usa como
instrumento de terror
e propaganda , e cobre
com esta cortina
negra o resto
do Médio Oriente .
O Iraque está a desfazer-se. A Síria já se desfez. O Líbano está por
um fio .
A Jordânia aguenta-se com esforço . O Egito é um
Estado falhado .
E a Turquia aproveita para destruir
os curdos. Em todos
estes conflitos ,
para não falar do desastre da
intervenção na Líbia ou no Iémen, a Europa comportou-se de um modo egoísta
e indiferente . Pagou resgates e deixou aos americanos
a tarefa de limpar
os estábulos de Aúgias. Na verdade , se a invasão
do Iraque em 2003 foi um trabalho americano ,
a Europa foi o parceiro da coligação . Sobretudo o entusiástico Tony Blair, originário
de um país
que recusa receber
mais migrantes, refugiados ou todos os nomes que se vão inventar para
os milhões de apátridas
e desgraçados que
trepam as muralhas e se rasgam nos arames
farpados. O horror sírio ,
ou iraquiano, não
motivou uma negociação de fundo , uma
cimeira capital , uma mesa-redonda , um
diálogo , um
princípio . Os americanos
decidiram bombardear o ISIS, a Europa não decidiu nada
para variar .
De repente ,
a Alemanha é a campeã dos migrantes e refugiados. O cinismo
pessimista tende a ver
nestes pronunciamentos mais propaganda
do que pragmatismo .
A Alemanha sabe que a crise grega a
fez ficar mal
aos olhos do mundo
e tem a oportunidade histórica , a sra. Merkel tem-na, de se reabilitar .
E de forçar o resto
dos europeus . A Alemanha tem a única liderança
forte numa Europa fraca
e tem a capacidade industrial
para absorver mão de obra barata porque ainda precisa
dela.
Há anos
que criámos os novos
campos de concentração ,
onde concentrámos os africanos , que
vieram antes dos sírios
e afegãos e iraquianos, e ninguém se
comoveu. Os cadáveres nas praias de Tarifa ,
os condenados a morrer no deserto ,
recambiados, não provocaram uma lágrima . A crise
destas migrações existe há anos e é preciso perceber que os migrantes que
agora nos
comovem em Budapeste são os que tiveram
sorte , dinheiro
e iniciativa para
chegarem aqui . Para
trás ficaram os condenados à morte , as vítimas de conflitos que
ajudámos a provocar e das “primaveras ”
árabes que
o jornalismo e as correntes
sociais promoveram com
sentimento . Ninguém
se lembra de perguntar aos países
ricos do Golfo ,
irmãos da mesma
fé , quantos
refugiados sírios receberam. O Qatar? Zero . Os Emirados ,
sobretudo os ricos
Dubai e Abu Dhabi? Zero . A Arábia
Saudita? Zero . O Kuwait? O Bahrain? Omã?
Zero . E são
estes sunitas que
atiçam a guerra perante
a nossa apatia .
E por que
razão a Europa e os Estados
Unidos não os pressionam sabendo que manipulam a guerra
para hegemonias
e demonstrações regionais
de força ? Duas respostas .
Venda de armas ,
um dos grandes
negócios ocultos da recomposição
dos mapas , e um
negócio onde
os estados legítimos ,
Reino Unido, França, Alemanha, Rússia,
Alemanha, etc., têm fontes prodigiosas
de financiamento. A Alemanha e os Estados
Unidos bateram recordes de venda de armas
no Golfo em
2014. E petróleo , a moeda
de troca e o pão
nosso de cada
dia . Um
dia , os drones que
o Ocidente vende serão
uma arma terrorista .
A situação do Médio Oriente é
hoje a mais
explosiva e volátil
e com mais
repercussões de sempre . Composta pela nova guerra fria com a
Rússia de Putin. Os imparáveis fluxos
migratórios vão forçar
e reforçar partidos
de extrema-direita, acender racismos ,
distorcer demografias ,
criar máfias ,
alimentar o extremismo
e terrorismo islâmicos
e as suas subculturas identitárias e
criminais, mudar o mapa
político da Europa e o espaço Schengen. Não
vão apenas
criar riqueza e contribuir para a economia europeia, como
dizem os académicos. Uma integração séria custará biliões .
É, de longe , o problema
mais grave
da Europa, acumulado com a anemia económica e com
a condenação da população
jovem a migrar
dos países europeus
em austeridade .
Bater no coração
e proclamar o amor
ao próximo nada
resolve na frente da batalha . É a retaguarda
imoral da piedade
virtual .
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