terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A obsessão jihadista pelo Al ANDALUS


Sob a forma de mapas ou de vídeos a circular na internet, as ambições dos jihadistas de incluir a Europa no seu califado são há muito conhecidas. E a cobiça é tanta que até a Áustria, que em 1683 resistiu à última tentativa de conquista pelos otomanos, surge como território a retomar, mesmo nunca tendo sido islâmica, ao contrário de Balcãs e Península Ibérica. Ora, o Al-Andalus - quase toda a Espanha e Portugal -, é mesmo uma obsessão para os fanáticos do Islão, e muito antes de se ouvir falar do Estado Islâmico já a Al-Qaeda o tinha na mira, através das mensagens do egípcio Ayman al-Zawahiri, que depois da morte em 2011 do saudita Osama bin Laden, assumiria a liderança da organização terrorista.
O que tem o Al-Andalus de tão especial ? Para os 1500 milhões de muçulmanos é um período de ouro da sua história (que coincidiu com o apogeu de Badgad) e motivo de orgulho. Mas para os jihadistas é sobretudo uma arma de propaganda, uma "terra usurpada", como alguns textos referem, usada para motivar a adesão à guerra santa. Na realidade, aquilo que tornou o califado de Córdova (929-1031) tão admirável, mesmo fora do mundo islâmico, foi a relativa tolerância, a coexistência de muçulmanos, cristãos e judeus, o apego das elites às artes e à ciência. Ou seja, o contrário da prática nesses leste da Síria e oeste do Iraque onde já proclamaram o novo califado, com o iraquiano Abu Bakr al-Baghdadi como líder.
Alguns dos portugueses que se integraram nas fileiras do Estado Islâmico trocaram mesmo os nomes por outros onde consta Al-Andalusi. Aconteceu até com um filho de imigrantes guineenses, que não procurou recuperar antes um nome ligado às comunidades muçulmanas da África Ocidental, o que comprova o prestígio de ostentar laços com o Al-Andalus.
Foi em outubro de 2001 que a televisão Al-Jazeera recebeu, no Qatar, um vídeo onde surgia a cúpula da Al-Qaeda no Afeganistão. Passava um mês sobre os atentados contra as Torres Gémeas de Nova Iorque e era a primeira comunicação de Bin Laden. Zawahiri também surge nas imagens e é ele que num esforço de mobilização das massas fala dos palestinianos, a mais popular das causas nos países muçulmanos, ligando--os ao passado ibérico do islão: "o mundo tem de saber que não permitiremos que se repita na Palestina a tragédia de Al-Andalus."
Passados 14 anos, a insistência jihadista prossegue, como se prova pelo vídeo desta semana, atribuído ao Estado Islâmico, em que afirmam querer "conquistar Paris antes de Roma e Al-Andalus", uma referência óbvia à França, que os combate na Síria, à Santa Sé e ao território perdido na Península Ibérica, uma presença que durou 500 anos em Portugal e mais de 700 em Espanha, até à tomada de Granada pelos Reis Católicos.
Fernando Reinares, especialista espanhol em terrorismo, lembrou já várias vezes que pelo passado islâmico os dois países ibéricos têm uma "vulnerabilidade diferencial" em relação a outros Estados da Europa. Isso é evidente no caso espanhol (onde o Alhambra e a mesquita de Córdova simbolizam o génio islâmico), como comprovam os atentados de 2004 em Madrid. Mas Portugal tem razões para se manter vigilante, mesmo que na sua comunidade muçulmana (60 mil pessoas) nunca tenham surgido extremistas como acontece em Espanha, França ou Reino Unido e os poucos jihadistas portugueses tenham origens fora da comunidade e até tenham sido radicalizados noutros países.
Académicos portugueses, como Felipe Pathé Duarte, também já salientaram essa vulnerabilidade, admitindo que "estamos, no caso específico do jihadismo, na rota de colisão". Isto porque "pertencemos ao ocidente e ao núcleo judaico-cristão, à União Europeia e à NATO", mas também, segundo o porta-voz do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, por "Portugal pertencer ao antigo califado Al-Andalus".
Porém, em recente entrevista ao DN, o ministro dos Negócios Estrangeiros português desvalorizou o mito do Al-Andalus. "Não penso que o problema do Al-Andalus, uma ideia de vez em quando ressuscitada numa certa literatura árabe, tenha um fundamento sério. Agora, o que tem um fundamento sério é que há uma política claramente expansionista por parte do extremismo jihadista tipo o do ISIS. Porque, repare-se, a Al--Qaeda não tinha pretensões territoriais. Agora não. A política do ISIS tem sido uma conquista de terreno", afirmou Rui Machete.
A natureza da ameaça remete para outra tese de Fernando Reinares, pensada para Espanha mas aplicável a Portugal, e que tem que ver com a participação em ações militares no mundo islâmico. Afirmou o perito, num dos frequentes artigos no El País, que tem sido dado por certo que foi o protagonismo do primeiro-ministro José Maria Aznar na cimeira das Lajes (que decidiu em 2003 a guerra no Iraque) a pôr a Espanha na mira dos jihadistas, mas que na realidade desde o envio de tropas para o Afeganistão já Bin Laden elegera o país para retaliar.
Ora hoje, depois dos atentados de Paris, em que o Estado Islâmico assume estar a vingar-se dos bombardeamentos franceses na Síria, é evidente que a maior vulnerabilidade ao terrorismo decorre da atitude bélica em relação ao jihadismo. E que o mito do Al-Andalus pode, quando muito, motivar um lobo solitário ou uma célula que se inspire no modelo descentralizado de jihad que a Al-Qaeda promovia. Ao explodir no espaço de poucas semanas um avião civil russo, fazer um atentado num bairro xiita de Beirute e matar em Paris, o Estado Islâmico retaliou contra quem o combate no terreno, sejam russos, hezbollah ou franceses. E isso revela lógica militar, aliás um dos pontos fortes desse grupo, que conta com ex-militares de Saddam Hussein.
É, portanto, Portugal um possível alvo do jihadismo? Sim, mas mais por pertencer a essas União Europeia e NATO que se opõem ao Estado Islâmico do que por ter um longínquo passado árabe.

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