sábado, 12 de dezembro de 2015

O FASCISMO ISLÂMICO

O fascismo islâmico por quem o viu chegar



As pessoas das letras podem permitir-se falar. Entre o povo, o fascismo islâmico é quase inominável - chiu!, não vá dar argumentos aos Trump e às Le Pen desta vida... -, mas a intelligentsia, essa, pode premiar o 2084: la fin du monde (2004, O Fim do Mundo), livro do argelino Boualem Sansal. Presente em quase todas as listas premiáveis deste outono literário de Paris, ganhou o grande prémio do romance da Academia Francesa. Se bem se lembram, este ano começou com o lançamento do livro de Michel Houellebecq, feito de forma discreta porque coincidiu com a matança dos desenhadores do Charlie Hebdo. O romance de Houellebecq, Submissão, é uma ficção política em que os islamistas conquistam a França, pelo voto, já daqui a meia dúzia de anos, aproveitando as hesitações da esquerda e da direita moderada em relação a Marine Le Pen. O livro de Sansal manda para mais tarde o desfecho - sugerindo uma data que lembra 1984, a do livro de Orwell - e é também sobre um totalitarismo. Mas não se ganhou com a demora: "O 2084 é bem pior que o meu Submissão", disse Houellebecq. E não se referia ao estilo, mas ao destino de todos nós sob o fascismo islâmico.
Boualem Sansal é argelino, foi alto funcionário até se tornar crítico do regime militar, mas continua a viver na pequena cidade de Boumerdès, próximo de Argel, a caminho do país berbere. Aos 66 anos, ele bebe ainda na criança que foi na casa de Argel a cem metros da casa do prémio Nobel Albert Camus, e escreve em francês. Sansal é filho das Luzes, a religião sendo assunto de cada um, e só para os que a querem. É adversário - um inimigo, até, pois diz-se "islamistófobo" - daqueles que lhe falam com o punhal na mão. A revista literária francesa Lire - que lhe considerou o romance 2084 como o melhor livro do ano -, fez-lhe na mais recente edição uma entrevista notável. Nunca se ouve falar assim deste tão sensível assunto que, se não nos entrou ainda em casa, estamos certos da terrível ameaça de se aproximar da nossa porta.
Como George Orwell, em 1984, que não nomeia o inimigo (nem o fascismo, nem o comunismo) para poder ir ao osso da crítica ao totalitarismo, Boualem Sansal, em 2084, fala do Abistan, império criado pelo profeta Abi, delegado do deus único Yölah. Mas é bem do mundo islâmico regido como querem os radicais do salafismo, isto é, o retornar às fontes do islão de Maomé, lidas sem ter em conta que já se passaram 1400 anos. O Estado Islâmico vamos todos conhecendo, gente que só pensa destruir o outro.
Não é novidade para o argelino Sansal. Ele viu chegar os islamistas ao seu país, na década de 80 - com a América a aplaudi-los, porque eles enfraqueciam o poder da FLN, que ainda tinha, embora tensas, relações com a França (e, como sempre, os americanos a aproveitar para afastar as antigas potências coloniais, apesar de aliadas). Os idiotas úteis em França, também se deliciaram com as vitórias eleitorais dos radicais islâmicos. A História só não se adiantou 20 anos, com os desastres das primaveras árabes, porque os militares argelinos e a sociedade civil, sobretudo mulheres, não aceitaram ir para a degola.
Diz Sansal, à Lire: "Quando os islamistas chegaram à Argélia nós estávamos dispostos a aceitá-los (...), a ver neles cidadãos como os outros." Mas os islamistas não entendiam assim. "Eles diziam: nós falamos em nome de Deus e Deus quer tudo." E então, aquilo que Boualem Sansal e os outros intelectuais (Tahar Djaout, assassinado, Said Mekbel, assassinado...), os cabelos ao vento das argelinas e a alegria dos cantores de raï (Matoub Lounes, assassinado...) pensavam ser só uma novidade religiosa, era a morte. "A fé em si mesma, eu não sabia nem sei como criticar, se você diz que tem frio, que lhe posso dizer?" Mas se do domínio íntimo e pessoal se passa para o regulamento estrito e total do dia a dia, o assunto passava a ser outro. Os argelinos tiveram a sorte de ter conhecido a dimensão totalitária do islamismo, antes de este se ter tornado a força poderosa e cega dos dias de hoje.
Boualem Sansal, como é notório no seu 2084, é pessimista. O califato otomano, aquele que dominou o Próximo Oriente até ao princípio do século XX, já era. Ele ainda oferecia alternativas aos povos que submetia. Os cultos dos outros, cristãos ou judeus, restritos, os impostos especiais, os muitos cargos oficiais proibidos para os não muçulmanos - mas uma certa aceitação, se houvesse submissão. "Essa conceção do outro, hoje já não é possível", diz Sansal. Hoje, é como explica o Estado Islâmico: o outro é cadáver, logo que se possa.

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