sábado, 16 de janeiro de 2016

OBSERVADOR






















Uma breve história do terrorismo: da França jacobina ao dito Estado Islâmico

16 Janeiro 2016
Numa altura em que os ataques terroristas se multiplicam por todo o mundo, Bruno Cardoso Reis explica como começou a violência política e pergunta: é possível derrotá-los?
Será possível estudar o terrorismo? Será aceitável tentar compreender o terrorismo? Não é isso o mesmo que aceitar ou perdoar? Há quem ache que a única coisa que é aceitável quanto ao terrorismo é combatê-lo, não conhecê-lo. Mas os clássicos da estratégia há muito que sublinham que para derrotar um inimigo é indispensável conhecê-lo. Para vencer é fundamental compreender o tipo de conflito em que se está envolvido. Há também quem considere que o terrorismo é irracional ao ponto de ser incompreensível, impossível de analisar racionalmente. Isso não só é desmentido pelos estudos sérios do fenómeno, como seria aceitar zonas negras impossíveis de estudar. O terrorismo é demasiado importante para ser deixado apenas a generais, polícias ou políticos.
Podemos realmente aprender com o estudo do terrorismo. O que nos diz a história do terrorismo sobre as suas possibilidades de sucesso? Será o ISIS uma ameaça séria? E será que existem formas de o combater com eficácia? Existirá uma ligação especial entre terrorismo e Islão? E de que forma se deve lidar com essa dimensão de violência religiosa?

O terrorismo não é um fenómeno novo e raramente é bem sucedido

No final de 2015 o terrorismo voltou a ensanguentar as ruas de Paris. Mas o terrorismo não é um fenómeno novo. A primeira grande vaga de terrorismo global foi no final do século XIX, em que um dos atentados mais notórios foi o ataque à bomba, em 1894, aos clientes da esplanada do Café Terminus em Paris. Se recuarmos dois séculos, constatamos que é da França que nos veio o conceito de terrorismo. A palavra “terrorismo” começou a ser utilizada então para designar a defesa da violência política extrema por parte dos Jacobinos, a ala mais radical do novo regime resultado da Revolução Francesa no final do século XVIII.

Robespierre defendeu a violência como necessária à purificação revolucionária
Num famoso discurso em 1794 o líder jacobino Maximilien Robespierre defendeu a violência como necessária à transformação e purificação revolucionária: os virtuosos princípios da revolução “eram impotentes sem o terror”. Mas estes primeiros terroristas jacobinos foram rapidamente afastados do poder. Porém, isso não os levou a abandonarem a sua crença na importância e na legitimidade da violência terrorista na política. Envolveram-se numa série de atentados nos anos seguintes, nomeadamente com o objetivo de assassinar Napoleão. Apesar de repetidos fracassos em atingir os seus objetivos, os escritos dos jacobinos, a defender a necessidade e legitimidade da violência política revolucionária de tipo terrorista, exerceram uma influência poderosa em outros movimentos radicais ao longo do período contemporâneo.

O terrorismo antigo, medieval e moderno

Podemos recuar ainda mais na história do terrorismo. É verdade que o termo terrorismo só surge no final do século XVIII e só se vulgariza para se referir a uma forma de violência política, uma táctica que se nos tornou familiar no final do século XIX. No entanto, os historiadores têm identificado grupos com ideologias radicais que, num passado mais ou menos remoto, adotaram práticas e discursos de tipo terrorista dentro dos constrangimentos ideológicos e tecnológicos da época. Um dos casos mais citado é o dos chamados Sicários, na antiga Palestina, judeus radicais que usavam punhais ocultos e aproveitavam grandes eventos públicos para, misturados na multidão, assassinar impunemente líderes políticos e religiosos do judaísmo que acusavam de cumplicidade com o poder imperial de Roma. Esta resistência do judaísmo antigo contra o Império Romano no século I d.C. acabou por falhar e levar à expulsão dos judeus da Palestina.
Outro exemplo relevante é o da corrente xiita que se tornou conhecida como Hashashin, dirigida pelo misterioso Velho da Montanha, ou seja, o Xeque do castelo montanhoso de Alamut. Eles legaram a palavra “assassino” à Europa da época das Cruzadas, aterrorizada com os ataques suicidas levados a cabo por elementos desta corrente xiita ismaelita. Na verdade, estes ataques raramente visaram líderes cruzados cristãos, foram bem mais numerosos contra líderes da corrente rival sunita. Conseguiram aterrorizar, mas não derrubar o Califado sunita.
Estes movimentos, tal como o ISIS hoje em dia, eram de tipo messiânico – ou seja, acreditavam que pelas suas ações poderiam acelerar o fim do mundo e a vinda de uma nova era paradisíaca de triunfo do verdadeiro Deus. Um fim deste tipo justificava o recurso a todos os meios para o alcançar.
Este tipo de práticas não era, porém, um exclusivo do Oriente. No Ocidente, desenvolveu-se a prática e a doutrina do chamado tiranicídio. Não só os atentados contra soberanos e outros líderes políticos e religiosos eram uma prática relativamente corrente dada a grande personalização do poder como, em torno dela, da Roma pagã antiga até à Europa cristã, desenvolveram-se doutrinas que defendiam que um líder que abusava do seu poder era um alvo legítimo. Ou seja, os terroristas ou assassinos de uns eram os combatentes pela fé ou pela liberdade de outros.

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