Cuidado com os Políticos
Paulo Ferreira
Houvesse um Ali Babá na história e o título desta crónica era
outro. Mas não há. Os 30 deputados que pediram ao Tribunal Constitucional para
verificar a constitucionalidade da redução das subvenções vitalícias optaram
por fazê-lo pela calada. Entende-se porquê. O despudor é tão grande que até
eles o perceberam.
Quem recorre ao Tribunal
Constitucional para contestar a validade de uma qualquer lei ou norma à luz da
Constituição costuma fazê-lo com prévio e bem audível anúncio público e como
prova de empenho numa luta por uma causa que considera justa.
Tivemos muito disso nos
últimos quatro anos, como sabemos, com ameaças consequentes de pedidos de
verificação de muitos diplomas que sairam da maioria PSD/CDS.
Mas desta vez foi
diferente. Os 30 deputados que pediram ao Tribunal Constitucional para
verificar a constitucionalidade da redução das subvenções vitalícias para
titulares de cargos políticos optaram por fazê-lo pela calada, em silêncio e na
esperança de que nunca se soubesse quem eram os autores de tal iniciativa.
Entende-se porquê. O despudor é tão grande que até eles o perceberam.
O TC analisou e decidiu.
Depois, os jornalistas fizeram o seu trabalho e hoje sabemos quem são. A
lista está aqui, no final deste artigo. Devemos conhecê-la e guardá-la.
Há ali gente dos dois
principais partidos, PS e PSD. E haverá ali de tudo em termos de seriedade,
competência, entrega à causa pública, honestidade financeira e intelectual e o
mais que quisermos. Uma lista de 30 é suficientemente abrangente para lá ter de
tudo.
Mas uma coisa, pelo menos,
os une a todos: a ideia de que têm o direito a receber de forma vitalicia uma
renda mensal paga pelos contribuintes equivalente a 80% do seu último ordenado
só pelo facto de terem desempenhado cargos políticos durante pelo menos 12
anos. Isto
independentemente de terem outras fontes de rendimento, pensões de reforma,
ordenados, o que quer que seja. E é uma ideia tão forte, esta de que o
privilégio desproporcionado é um direito, que até estiveram dispostos a lutar
juridicamente por ele, dando-se ao trabalho de o contestar junto do TC.
É uma falta de vergonha
sem nome. Sobretudo porque o contexto em que aconteceu é o que sabemos. Nos
últimos anos, foram milhões os portugueses que viram cortados direitos que
davam como adquiridos: salários, reformas, subsídios de subsistência,
indemnizações em caso de despedimento e tudo o que sabemos. Mas também porque a
norma que constava do Orçamento do Estado de 2015 e que o TC agora declarou
inconstitucional salvaguardava a eventual necessidade dos beneficiários da
subvenção vitalícia: só era cortada a quem não tivesse rendimentos superiores a
2.000 euros por mês. Apesar disso eles avançaram. Chocante, não é? Mas
aconteceu.
Não diabolizo o TC, que
tem que fazer aplicar a Constituição que existe, de acordo com o
entendimento do seu colectivo, e não outra qualquer que não temos. Mas não
deixa de ser curioso que muitos dos que aplaudiram as decisões do TC que
reverteram muitas medidas de austeridade nos últimos anos e acusaram o governo
anterior de estar a governar contra a Constituição sejam agora os mesmos que
criticam esta decisão dos juízes. Incluo aqui o PCP e o BE que estão contra a
existência da subvenção vitalícia, posição que subscrevo na íntegra. Mas temos
que apelar aos deputados destes dois partidos que sejam consequentes com essa
sua posição: apresentem no Parlamento uma lei que acabe com ela de vez para
todos e, se necessário for, avancem com uma proposta de revisão da Constituição
que o permita. Passem das palavras aos actos que a causa bem o merece.
Em 2005, o Governo de José
Sócrates deu um enorme contributo para se acabar com este absurdo privilégio ao
legislar que ele terminaria daí para a frente. Resta agora completar o serviço
e terminar com as sinecuras antigas que ainda sobrevivem e que tão bem
simbolizam o chamado Bloco Central dos interesses. Um país que obriga os
contribuintes a um pagamento vitalício a Armando Vara e Dias Loureiro pelos
bons serviços prestados ao Estado - só para citar dois casos que beneficiavam
dele em 2013 - não é um país decente. É um sítio que teima em manter-se mal
frequentado.
Lista completa de deputados signatários: Alberto Costa (PS), Alberto
Martins (PS), Ana Paula Vitorino (PS), André Figueiredo (PS), António Braga
(PS), Arménio Santos (PSD), Carlos Costa Neves (PSD), Celeste Correia (PS),
Correia de Jesus (PSD), Couto dos Santos (PSD), Fernando Serrasqueiro (PS),
Francisco Gomes (PSD), Guilherme Silva (PSD), Hugo Velosa (PSD), Idália Serrão
(PS), João Barroso Soares (PS), João Bosco Mota Amaral (PSD), Joaquim Ponte
(PSD), Jorge Lacão (PS), José Junqueiro (PS), José Lello (PS), José Magalhães
(PS), Laurentino Dias (PS), Maria de Belém Roseira (PS), Miguel Coelho (PS),
Paulo Campos (PS), Renato Sampaio (PS), Rosa Maria Albernaz (PS), Sérgio Sousa
Pinto (PS) e Vitalino Canas (PS). - See more at: http://www.rtp.pt/noticias/politica/maria-de-belem-assinou-pedido-de-fiscalizacao-sobre-subvencoes-vitalicias-a-politicos_n889444#sthash.XwbIJxMB.dpuf
NOTA: Um país que obriga os contribuintes a um pagamento vitalício a
Armando Vara e Dias Loureiro pelos bons serviços prestados ao Estado não é um
país decente.
Sem comentários:
Enviar um comentário