quarta-feira, 25 de maio de 2016

A IRA DA ESTIVA

Chamam-lhe "A ira da estiva"
 
E é por aqui que começo, porque de vez em quando há que parar para pensar: até onde podem ou devem ir os trabalhadores no exercício democrático do direito à greve? É ele absoluto? Com certeza que não. Mas deve ser exercido? Sem dúvida, quando há interesses vitais que estão em jogo, por isso é a última forma de luta. Dos trabalhadores, em primeiro lugar, mas também do país. A questão é recorrente, e às vezes até tem contornos filosóficos. Mas não vou por aí.

Esta greve dos estivadores de Lisboa que afeta o porto da capital há 35 (36) dias (alargada aos portos de Setúbal e da Figueira da Foz) provoca 300 mil euros de prejuízos por dia ao país. Os trabalhadores queixam-se que há quem esteja a ser contratado ao dia, que os patrões querem tornar os vínculos precários, que os salários estão em atraso; os operadores que já não podem ceder nem perder mais e encetaram os procedimentos para um despedimento coletivo. Mas então é esta a única alternativa: ou greve ou despedimento coletivo? O João Palma-Ferreira, a quem roubei o título da prosa, explica o que se passa e que está a provocar uma dramática falta de medicamentos na Madeira, que já teve que recorrer à Força Aérea para se abastecer. Os contentores que estavam por descarregar foram ontem transportados do porto de Lisboa sob vigilância policial.

A greve, entretanto, já se tornou um problema político para o Governo. A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, afirma, salomónica, que a razão não está só de um lado, e que tentou conciliar patrões e empregados (e é verdade). Em vão. Avisou: “É um conflito social entre privados, mas afeta-nos, público, porque afeta a economia nacional. Chegou a ser assinado um acordo de paz social. Agora chegou a altura de decidir: ou mantemos os privilégios de alguns ou mantemos o emprego dos milhares de pessoas que vivem direta ou indiretamente do porto”. Veja aqui também. Mas o Bloco de Esquerda e o PCP não alinham pela mesma bitola e querem que o Governo interceda pelos trabalhadores. O assunto é para seguir de perto. Por ambas as razões: económicas e políticas.
 
OUTROS ASSUNTOS
Estão ligados: é o estado frágil da economia portuguesa. Há vários dias que é essa a tónica de intervenções várias, sobretudo desde que a Comissão Europeia anunciou, na semana passada, que Portugal pode estar sujeito a sanções. Ontem, o presidente do Eurogrupo (o tal grupo que não existe formalmente mas manda que se farta) diz que há razões para sanções a Portugal e Espanha (vem nos tratados, pois claro), mas o ministro Mário Centeno desvalorizou: "Portugal está no caminho certo". Entretanto, o comissário Moscovici já havia dito que o contrário de Dijsselbloem e quer mesmo o fim dos procedimentos de défices excessivos. Estas versões na UE fazem lembrar um bocadinho a história do pide mau e do pide bom, não é?

O problema é que já são muitos os sinais de que a economia começa a escorregar. O Governo, pela voz da secretária de Estado Margarida Marques, diz o óbvio: que as sanções só criam dificuldades aos Estados que querem recuperar. Mas já o seu colega de partido Vera Jardim está cheio de dúvidas sobre o rumo económico do Executivo. Pois, pontos de vista.

E, depois, há muitas vozes internacionais a dar opiniões: é o ex-ministro das Finanças grego (antecessor de Varoufakis, calma!), que diz que a Europa está pelos cabelos; é o homem do BCE a dizer que “o Governo tem de pensar nas implicações orçamentais das 35h” (para além do próprio BCE, que acha que o stress sobre Portugal aumentou com a incerteza na banca); e a Moody's a lançar alertas para ao abrandamento da economia: “Tudo o que a agência de rating pensa sobre Portugal”, é o título do texto do Negócios. E por falar em banca, sabe que é hoje o dia das alegações finais da do BPN?

A carga psicológica sobre o Governo está a subir. O Presidente da República já veio advertir contra a “permanente agitação dos analistas”:"Por um lado quer-se a estabilidade e por outro especula-se sobre a instabilidade", observou, considerando que essa é uma das razões da "instabilidade dos mercados internacionais". Mas também aumentou a parada ao PM, dizendo que até às eleições autárquicas de 2017 se vive um ciclo e "depois das autárquicas veremos o que se passa". António Vitorino descodificava na SIC dizendo que sim, esse será o primeiro momento que pode ser lido como aquele em que os portugueses se pronunciarão sobre esta solução governativa, Santana Lopes achou que se tivesse sido Cavaco Silva a dizê-lo teriam caído o Carmo e a Trindade. O próprio Marcelo Rebelo de Sousa explicou porque o disse. Mas os socialistas não gostaram. A manchete do I é elucidativa: "Marcelo marca prazo de validade a Costa e enerva geringonça".

Marcelo Rebelo de Sousa foi aliás protagonista de um momento inédito e digno de registo, anunciando – ao som do “Melhor de Mim”, da Mariza - que faria uma visita às tropas portuguesas na República Centro-Africana. Portugal está mesmo diferente.

No setor da Justiça, a ministra Francisca Van Dunem anunciou que vão reabrir 19 tribunais. A ministra não disse que nome vai dar à vintena de tribunais que irá reabrir, quer às 27 secções de proximidade, mas uma coisa é certa: “secções de proximidade” é terminologia que vai abolir, por entender que “desvaloriza muito a função do tribunal”.

A vida nacional também continua agitada por um tema ressuscitado da guerra fria, mas em que é português o protagonista: o do espião que vendeu documentos aos russos e que foi apanhado no ato. Então não é que ele tinha a vida escancarada no facebook? E por falar em agentes secretos, não é irresistível esta notícia: “My name is Bond. Jane Bond”?

E ainda há um outro tema que se arrasta, não menos mediático: o dos contratos de associação das escolas. Diz a Isabel Leiria que o grau de dependência dos colégios com contratos de associação face ao financiamento estatal é tal, que no conjunto as receitas que vêm das mensalidades são quase nulas. Ela leu o estudo do Ministério que serviu de base à decisão do Governo de os reduzir, o leitor pode tirar as suas próprias conclusões. O Henrique Monteiro tirou as dele, ligando-as a uma outra polémica inusitada: a comparação a Estaline do sindicalista Mário Nogueira, num cartaz da JSD, que tem desde já um processo prometido.

Se o leitor é pessoa avisada, por favor não perca nem se perca e estude as novas regras sobre as cartas de condução por pontos. Atenção! Aplica-se já a partir de 1 de junho! A Mafalda Ganhão explica as dúvidas e até lhe diz onde se deve registar.

E se o leitor é amante de histórias de vida (e de futebol e do Benfica), não vai querer perder este nosso pioneiro web-documentário-interativo. O Pedro Candeias ajudou-me a explicar: “No início dos anos 70 houve um futebolista português que parou um Benfica-Sporting à procura de um brinco, que comprou um Jaguar e o equipou com um motorista para o guiar de Setúbal a Lisboa, que atava um cão a uma baliza durante os treinos, que usava sandálias de tacão alto, jeans rasgados, camisas abertas, brinco, ca uma baliza durante os treinos, que usava sandálias de tacão alto, jeans rasgados, camisas abertas, brinco, cabelo e barba compridos quando todos os outros vestiam fato e gravata. Que teve tudo e perdeu tudo na droga e na noite e em maus negócios. Chamava-se Vítor Baptista e tinha uma alcunha: O Maior. Foi um dos maiores mitos do futebol português".

E por falar em futebol, já sabe que o nosso Mourinho vai para o Manchester United, não sabe? Afinal, quem tem medo do lobo Mou? Há quem tivesse preferido outro.

LÁ FORA
Venezuela. Antes de mais, veja este perfil do país e como se chegou aqui. Vale a pena, porque tudo se adensa para um mau desfecho, com milícias a ser armadas. Se quer ter a opinião do Francisco Louçã, ei-la. “A tragédia da Venezuela”, chama-lhe.

Grécia. No mesmo Eurogrupo que durou pela noite fora, foi finalmente decidido o terceiro resgate, por 10.3 mil milhões de euros. A reestrututuração da dívida foi também decidida, mas será por fases. Espreite a ver o que o timeline de uma crise que ainda não foi debelada. É ilustrativo.

Áustria. Não encontro melhor definição para a situação do que a da Teresa de Sousa no artigo que escreveu ontem no Público intitulado “Até ao próximo susto”: “Se o candidato da extrema-direita tivesse vencido as eleições presidenciais na Áustria, as capitais europeias e as instituições da União não saberiam o que fazer. Com a vitória do seu adversário Verde, mesmo que por uma unha negra, vão limitar-se a respirar de alívio e esquecer o que aconteceu até ao próximo susto”.

Polónia. Depois do susto austríaco e da realidade húngara, eis que uma outra deriva se prepara na Europa contra o chamado estado de Direito. O comissário Frans Timmermans, o mesmo que esteve cá na semana passada, foi até lá. As reformas que o Governo polaco tem na forja são mais que duvidosas sob esse ponto de vista.

França. A nova lei do trabalho está a por o país à beira do caos. Espreite aqui e aqui (em francês). Depois da greve das refinarias, também nas centrais nucleares? A coisa está a ficar mesmo feia - e para ter uma ideia veja este vídeo. O Liberation pergunta se a CGT pode parar o país. Parece que sim. Lá como cá, o FMI acha que a legislação do trabalho é a chave das reformas. Cartilha?

Estados Unidos. Leitor, tenha medo, muito medo. Pela primeira vez, as sondagens dão os candidatos democrata (Hillary Clinton) e republicano (Donald Trump) empatados. Mesmo que não leia francês, os gráficos são eloquentes. O romancista Richard North Patterson desdramatiza (em inglês).

Terrorismo. Dois alarmes: foi mesmo uma bomba que fez explodir o avião egípcio que saiu de Paris em direção ao Cairo; e a ameaça de ataques terroristas na União Europeia continua a ser a principal preocupação de segurança nacional, com 211 ataques frustrados só em 2015. Não é coisa que nos deixe tranquilos.

FRASES
"Deslidudam-se aqueles que pensam que o Presdiente da República vai dar um passo sequer para provocar instabilidae neste ciclo que vai até às autárquicas. Depois das autárquicas vermos o que se passa, mas o ideal para Portugal é que o Governo dure e tenha sucesso" - Presidente da República, citado pelo I

"O tique de simpatia de Marcelo não passará de um compasso de espera, visando dar tempo à chegada do PSD ao ponto de rebuçado" - Porfírio Silva, membro do secretariado nacional do PS, no facebook.

"Não há justificação para que alguém, através de um salário, possa ganhar cem vezes mais do que um trabalhador da mesma organização" - João Torres, secretário-geral da JS, sobre a moção ao Congresso do seu partido, que visa baixar salários aos gestores, ao DN

O QUE ANDO A LER
Eu gosto de assuntos europeus. E nada como ler um livro refrescante com uma opinião fora do chamado mainstream (perdoe-me o anglicismo). O livro é de António Goucha Soares, professor do ISEG e titular de uma cátedra Jean Monnet. E chama-se provocatoriamente “Euro – E se a Alemanha sair primeiro?” (Temas e Debates/Círculo de Leitores). O interessante do livro não são as questões económicas, é a explicação das questões políticas que estiveram (e estão) presentes ao longo da crise, as alterações dos equilíbrios de poder. Não perca. É conselho de amiga.

E por hoje é tudo, o dia começa cedo. Tenha um bom dia! Já sabe - para atualização a todas as horas, consulte o Expresso online, para uma leitura mais completa dos principais acontecimentos, marque o ponto no Expresso Diário, às 18h.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário